“Não é feitiçaria, é tecnologia”. Acima, temos uma imagem manipulada no Photoshop.
Meditem sobre isso.
Chegamos a um absurdo. Os pontos fora da curva estão se curvando à retidão da formatação social. É o fim e ele não vem de hoje.
Se o mundo está encantando/desencantado, se desencantando mais anda ou se encantando novamente foi/é alvo de disputa entre grandes pensadores. Eu diria que o desencantamento é real e ele mostra seu poder quando atinge uma parcela que deveria ser inabalável diante deste fenômeno: os praticantes de magia.
Existe aí no mundo mágico a famosa e popular noção de que “tudo é mental”. Para aplacar um pouco essa noção, alguns advogam que “a mente é do tamanho do universo”. Em uma verdadeira masturbação de conceitos e eufemismos, muitos magos contemporâneos tentam equilibrar o fato de serem descrentes com a fantasia de serem capazes de realizar magia.
Joguem todos os conceitos emprestados do Oriente e de todos os demais lugares que quiserem neste balaio, mas o fato é que “psicologização” da magia é a maneira de ser “magão sinistro” sem precisar rasgar a carapuça de pessoa esclarecida do século XXI. A mente pode ser enorme e abarcar mundos, mas infinita é algo que ela não deve ser, pois é um conceito que só conhecemos por definição e não por experiência. Somos finitos. Somos marcados pela nossa finitude. Pode até ser que caiba tudo na mente, mas ela precisa se expandir pra isso. Ela cresce, mas não é sem tamanho definido, eu diria. Além disso, o que é mental não exclui o que é não é. As coisas podem ter duplos, triplos etc. É verdade que não é sensato descartar os efeitos da nossa percepção e da nossa cabeça sobre as coisas, a vida e sobre a magia, mas acreditar que tudo não passa de uma construção mental do indivíduo (que, de alguma maneira, poderia causar efeitos externos ou se juntar a outras construções mentais) me parece miópe (e nada divertido).
Batendo na mesma tecla: é a maneira que a mente encontra de operar. Para evitar a ruptura de assumir que há coisas além do humano e do natural catalogado pela ciência e seus sistemas, usam a plasticidade da mente para dizer que “tudo vale” no campo psicológico. É uma manobra de entrar em um refúgio e de não saber se entregar. Esta mesma posição que tanta orgulha alguns é sua própria ruína, pois quando é chegada a hora no qual é necessário soltar da mão da mente, não conseguem. Não sabem. Temem.
Assim, preso no paradigma de que tudo orbita ao redor dele, que é o provedor do universo, o “magão sinistro”, não sai do lugar. Fica girando ao redor do próprio umbigo, de olhos vendados e repetindo o mantra “Sou foda”. Adivinhem o que acontece? Uma hora a brincadeira cansa. Sem a contribuição de coisas além de nós ou sem a capacidade de reconhecê-las, logo nos esgotamos de nós mesmos e partimos para outra. É uma receita de fracasso.
Uma atitude questionadora e nada crédula cai bem a qualquer pessoa que queira fazer magia. Sem crítica, investigação e uma boa dose de desconfiança não se afinam alguns instrumentos que são necessários. O problema é confundir isso com crença limitante. Antes que eu me aproxime demais do discurso de um coach, permitam-me mudar o rumo.
Pior do que tomar sua atividade como exercício mental é a mania que os “magão sinistro” têm de classificar tudo mais como tal. Possessão em cultos híbridos do Novo Mundo? “Hipnose. Auto-sugestão. Criação de uma personalidade destacada que assume o corpo”. Caiu um raio no exato momento do ritual para Thor? “Estava afinado com o conceito de Thor e por isso notei o raio”.
Reparem que além de ser chato, dá mais trabalho ser assim. É claro que o esforço não é um argumento persuasivo. O argumento persuasivo é a experiência. Apenas a experiência revela que não tem como a gente encerrar tudo na gente. Vivendo e percebendo o “outro” e as coisas mais sutis, que se manifestam de maneiras, claro, não óbvias (lembrando que o óbvio é definido pelo ponto de vista e pelas ferramentas de percepção), fica um tanto evidente que querer trazer para dentro de si apenas tudo que existe é só um narcisismo medonho de gigante.
Se tudo é mental apenas, estamos vendidos realmente ao desencantamento. Agora, vejam vocês, as pessoas que resolvem se desviar das práticas “invisíveis” (ou seja, que tem por natureza o contato ou crença com o que não pode ser definido apenas pelo material) mais corriqueiras, como a Igreja ou um Terreiro, acabam sendo domesticadas pela necessidade de ser racional e de ser dominante. O que leva alguém que se dedica a uma prática tão marginal como a magia a se deixar se restrito por uma coisa tão “careta”? Não tenho as respostas.
Não posso nem atribuir esse posicionamento à inexperiência, pois muitos que são experientes a adotam e a defendem. Parece-me mesmo que é uma questão de escolha, melhor, de perspectiva. Se tudo é da “minha cabeça”, então eu sou mesmo o “dono” disso tudo. Agora, se não for, eu preciso me submeter a um sistema ou então eu não posso fazer simplesmente qualquer coisa que eu queira. Assim, está quebrado um belo de um esquema de retroalimentação. Tem gente fazendo magia para encher o ego. Tudo bem, cada um faz o que quiser. Eu só estou aqui colocando minha opinião.
Aliás, é possível fazer magia quando se acredita apenas no psicológico? Será que não estariam jogando então um (perigoso) jogo mental? Como olhar para o conceito de magia que foi o dominante ao longo da história da humanidade e chamar isso que muitos fazem hoje de magia?
É curioso. Se a secularização não parece ter dado tão certo, afinal, religião e espiritualidade se misturam o tempo aos assuntos “leigos”, o desencantamento pode ter sido mais bem-sucedido. A iluminação pela razão nos coloca em uma posição complicada, pois gostamos de pensar que somos “racionais” e que, portanto, nada vale além do propriamente descrito. O problema é que a iluminação da razão funciona como uma distração. É como achar que a lua é fonte de luz por conta do seu brilho. A razão esclarece e auxilia, mas há uma fonte originária e mais poderosa que está além dela. Sugiro que ousemos procura-la.
Imagem: sciencesource
(Imagem de Valentina Florez por Pixabay).
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