Saudações, crianças!
Reservei uma crônica específica para tratar de um complemento mais chatinho e que é o “calcanhar de Aquiles” de vários sistemas cartomânticos: as cartas da corte. É ou não é?
Mas por que será que, nos sistemas cartomânticos que utilizam as cartas da corte para indicar pessoas, elas sempre se mostram tão desafiadoras? Simples! Porque fatos são fatos, não mudam e são fáceis de se compreender, ao passo que pessoas são sempre muito complexas. Afinal, raramente os fatos são problemáticos por si sós. Já as pessoas…
Ah, as pessoas…
Acontece que as cartomancias mais antigas não se ocupavam da descrição psicológica das pessoas como vemos nos sistemas mais contemporâneos. As cartas indicavam a cor de pele, o gênero e, quando muito, a idade da pessoa, fosse ela o próprio consulente ou alguém que cruzasse os seus caminhos.
Quem nunca ouviu, ao vivo ou em relatos, frases como “uma mulher morena e falsa vos espreita, dizendo-se vossa amiga” ou “um homem louro, que vos quer muito bem, trará auxílio inesperado”? Esse é o gostinho da cartomancia antiga que, hoje, praticamente se perdeu. Que saudade!
A coisa toda é bem simples: o Valete é um jovem ou uma moça; a Rainha, uma mulher e o Rei, um homem. As cartas da corte de Paus representam pessoas negras; as de Ouros, pessoas louras ou de pele clara e as de Copas, pessoas morenas ou pardas. As cartas de Espada não indicam tipos físicos, mas sempre falarão de inimigos, rivais e falsos amigos. Uma vez que se escolha a carta que representa a consulente ou o consulente de acordo com o seu tipo físico, as demais cartas da corte que aparecerem no jogo representarão as pessoas de quem se pergunta ou as pessoas presentes na vida de quem está a consultar o baralho.
Mas, convenhamos: preservar as tradições é essencial, mas quem consulta as cartas hoje em dia quer saber mais, quer a descrição das pessoas que cruzam os seus caminhos. O que fazer? Recorrer às descrições do tarô, desvirtuando a secular cartomancia de São Cipriano? Jamais!
A maioria dos livros atribuídos ao santo bruxo, que formam uma biblioteca de grimórios cipriânicos, normalmente traz um outro método cartomântico, que usa as cartas de sete a dez, mais as cartas da corte. É a este último modo de tirar as cartas que recorreremos para ilustrar o perfil psicológico das pessoas que surgem na mesa de jogo. Vamos lá:
J ♥ Um moço bonito e sedutor. Um galanteador que promete falsamente compromisso afetivo. Amante, namorado ou amigo. Novas amizades, novos amores ou até mesmo uma relação extraconjugal.
Q ♥ Uma mulher bonita, carinhosa, alegre, acolhedora. Um casamento feliz, sentimentos nobres.
R ♥ Um homem bonito, carinhoso, charmoso. Um bom marido e pai de família. Um sacerdote. Um artista.
J ♦ Um moço bom, trabalhador, estudioso. Um colega de trabalho. Negócios, proposta de trabalho, novidades profissionais ou financeiras.
Q ♦ Uma mulher casada, mãe de família. A esposa. Abundância, fertilidade, prosperidade. Gravidez.
R ♦ Um homem casado, chefe de família. Um homem poderoso, próspero. Um homem que tem estima pela consulente ou pelo consulente. O marido. Acordos, negócios, comércio, empresas.
J ♣ Uma criança ou um adolescente. Inocência, pureza, infância, divertimento. O filho da consulente ou do consulente.
Q ♣ Uma mulher mais velha, madura, sábia, companheira. A mãe ou a avó. Maturidade, conhecimento, auxílio.
R ♣ Um homem mais velho, amigo, companheiro, fiel, honesto, mas rígido. O pai ou o avô. Um juiz. Um intelectual. Fidelidade, austeridade, rigidez, leis e regras.
J ♠ Um homem jovem sério, impetuoso, corajoso, justiceiro, valente. Presunção, ousadia e coragem. Um advogado.
Q ♠ Uma mulher cruel, falsa, fria, inteligente. A rival da consulente ou a amante do seu marido. Uma adversária em todos os sentidos. Uma viúva. Frieza, distanciamento.
R ♠ Um homem mau. Um homem austero, muito rigoroso. Um inimigo. O rival da consulente ou do consulente. O amante da esposa. Um adversário em todos os sentidos. Um viúvo. Um governante, policial, militar ou chefe impiedoso. Obstáculos e cautela.
Na próxima crônica, eu ensinarei o básico para você começar a tirar as cartas segundo São Cipriano. Até lá, que tal consagrar seu baralho?
O método que se encontra nos livros mais antigos, publicados ainda em Portugal e Espanha, é o seguinte: passam-se as cartas do baralho, uma a uma, por sete pias de água benta de sete igrejas diferentes. Depois, reza-se o Credo sobre as cartas, fazendo-se cruzes sobre elas enquanto se recita a oração. Por fim, as cartas são embrulhadas em sete pedaços de tecido, passando-as debaixo de sete ondas do mar, enquanto se diz: “que os espíritos celestes vos ponham a virtude”.
Outra receita consiste em se pedir que uma virgem, durante sete sextas-feiras consecutivas, ao meio-dia em ponto, passe as cartas por sobre as ondas do mar, antes da arrebentação, sem molhá-las.
Desapontadas, crianças? Já devem estar pensando onde achar sete igrejas com pias de água benta, algo completamente em desuso nos dias de hoje. Mas isso ainda é tarefa muito mais fácil do que encontrar uma virgem, não? Se a magia ainda dependesse delas, talvez a mais antiga arte humana estivesse em perigo iminente de extinção…
Vamos, então, simplificar as coisas, sem molhar seu baralhinho, mas também sem virar as costas à tradição da consagração pelas águas: numa sexta-feira de lua cheia, ao meio-dia, segurando o baralho com ambas as mãos, caminhe por sete ondas do mar, dizendo: “que os espíritos celestes vos ponham a virtude”.
Mas se você for uma dessas pessoas mais práticas, sem tempo para ir à praia e muito menos disposição para molhar os pezinhos, elabore seu próprio ritual de consagração com vela, incenso e o que mais quiser, recitando esta oração:
São Cipriano,
Amado guardião da noite,
Senhor coroado com chifres de bode,
Tu que és o olho esquerdo de Apolo,
Tu que és sacerdote do dragão,
Unge meus olhos para que eu possa ver além do véu.
Pelas sete almas santas,
Pelo sinal de Santa Justina,
Pela bruxa e sua cabra preta,
Que este oráculo seja consagrado a ti!
E antes de me despedir, vamos dar os créditos a quem os têm: a oração acima foi retirada do livro “O Oráculo de São Cipriano”, de Osvaldo R. Feres, que o titio recomenda muito, ainda que ensine outro método de cartomancia cipriânica, um pouco diferente da cartomancia cruzada que estou ensinando para vocês.
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