Ninguém nunca acha que vai morrer, mas vai. Claro que vai. Já viu alguém não morrer? Eu nunca vi. Dercy Gonçalves morreu, amigo. Oscar Niemeyer também. Não há esperança para nós. Estando em paz com o fato de que um dia bateremos a caçoleta, melhor já ir se preparando para a grande ocasião.
Antes da pandemia eu fui a uma funerária. Entrei e tomei um choque térmico daqueles. Por alguma razão eles mantinham o ar condicionado no modo “nórdico”. Depois fiquei pensando que podia ser por causa dos cadáveres. De toda a sorte, entrei na loja e fui recebido por uma simpática jovem que provavelmente não estaria pensando no seu fim caso não fosse obrigada a encarar caixões o dia todo. Ela ofereceu-me os pêsames e perguntou-me quem havia morrido. Com sinceridade que me é atípica nesses momentos casuais, respondi que eu morreria um dia e queria ver as opções.
Decepcionei-me largamente. Se você, como eu, viu entusiasmado seriados como “Six feet under”, saiba que morrer no Brasil é muito mais sem graça. Escolhe-se um caixão e olhe lá. No máximo pode-se escolher um que não tenha um crucifixo, na esperança de que se levante como vampiro em uma madrugada na necrópole. Bem, não demorei muito a sair da loja muito desiludido com a ideia de morrer. Entretanto, como ainda continuava inevitável, entrei em contato com uma funerária de Toledo, em Ohio e perguntei se meu corpo poderia ser levado para lá e enterrado em solo Bideniano com pompas e serpentinas típicas. Como não conheço ninguém em Toledo, Ohio que o parta, fiz orçamento também para carpideiras fakes. A quantia para tudo era absurda e também desisti desse curso de ação.
Pensando em inovar, comprei um terreno em uma cidade distante. Um bom terreno repleto de árvores e com dois riachos. Peguei meu dinheiro e mandei construir uma tumba digna de um faraó. Subterrânea, ela parece uma mistura de bunker com casa de celebridade da Record. É formada de uma sala de recepção com fotos minhas e gravações em áudio e vídeo das minhas grandes conquistas (confesso, está mais vazio do que esperava). Há uma pequena sala de cinema para que assistam um documentário sobre minha vida que ainda produzirei. Tem um espaço para uma lanchonete e há 4 banheiros, todos preparados para receber PNE. Coloquei também um pequeno oratório ecumênico e a sala da tumba com um sarcófago em mármore. Atrás da sala de cinema há uma discoteca, que será a sensação das noites da cidade.
Quando morrer, já deixei em testamento. Quero ser cremado e que minha urna seja colocada no sarcófago. Quero fazer da minha tumba um centro cultural. Na parte de cima construirei uma pirâmide com duas salas. Uma com observatório para o céu noturno e outra para quem quiser passar a noite lá, com camas e banheiros.
A cidade inteira já me chama de faraó e canta aquela música do momento quando eu passo pelas ruas absorto em pensamentos sobre a minha morte. Quem disse que morrer precisa ser coisa ordinária só por ser inescapável? Queria eu ter tido o ímpeto de transformar minha vida da maneira que transformei minha morte. Sigo faraônico e olhando para frente, sem perceber nada do chão por onde piso.
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