Tem sofrimento que tem fome. Não fome dessas que se sente com o estômago, que dói ali na barriga e a gente identifica super bem. Tem sofrimento que tem fome com o corpo inteiro, que estrebucha desejando ser deflagrado de vez, exposto com um puxar de cortinas, mediante doses muito bem medidas de desprezo e rispidez que escorrem pela boca feito baba de cão raivoso.
Mas curiosamente eles nunca têm saciada sua vontade. São mantidos reféns de uma espécie de masoquismo calculado, à espera nunca finda do derradeiro momento de exposição orgástica, são infelizes sofrimentos de estimação, narcísicos e ásperos sofrimentos, orgulhosos em meio à própria imundície.
Morando no sótão, ele dedica-se infinitamente a martelar portas e janelas, num protesto toc-toc-toc contra o silêncio na mente e a liberdade do espírito. Acanhado sofrimento de bolso, essa espécie envaidecida da pequenez do seu pequeno lugar no sótão imundo, redundantemente retroalimentando-se repetidamente rente à superfície de cada bom dia oferecido ao atendente ou ao frentista, à professora e ao secretário, ao telefone ou com os olhos fechados dos sonhos de redenção. Nunca emerge, nega-se enquanto expressão: quer-se causa e consequência, início e fim, condena-se a reinar na escuridão para não ser um plebeu iluminado. Tem sofrimento que tem fome, e sua boca escancarada na noite abre as portas para uma solidão que a um tempo o exclui e ascende.
Sofrimentos de sótão têm o péssimo hábito de diferenciar-se pela guerra, em lugar de assemelhar-se pela paz.
Imagem: FDR
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