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Foto do escritorKaty Frisvold

A Bruxaria dentro da Bruxa

Atualizado: 8 de fev. de 2022

Recentemente, dei uma entrevista a um podcast (do Projeto Mayhem) onde fiz uma série de declarações informais sobre minha visão sobre bruxaria. Não achei que estivesse falando qualquer coisa muito relevante, afinal, livros e artigos sobre o tema abundam pela internet e eles estão por aí para que todos possam perceber certas obviedades, incluindo as ausências.


Para mim foi sempre óbvio que o que se conhece por bruxaria tenha sido cooptado pelos homens. Homens que escreveram e escrevem com suas muitas palavras sobre o que é bruxaria e homens que fizeram e fazem a bruxaria caber em estruturas tradicionalmente masculinas. As mulheres que surgiram depois disso se contentaram a formar “sistemas” dentro destas mesmas estruturas eternas de quadrados sobre círculos e concepções “thelêmicas-maçônicas” sobre a natureza celestial e infernal.


Todos estes indivíduos fizeram ainda com que “bruxaria” ganhasse um status de religião ao definir um corpo litúrgico padrão, bem específico, como um esqueleto em que um corpo pode ser montado. Em uma comparação rápida, equivaleria à diversidade de igrejas neopentecostais decorrentes das derivações interpretativas da Bíblia.


Vamos manter isso em mente enquanto lembramos que aquela determinada crença, daquele específico povo nômade do deserto, fez caminho e massa ao que hoje é o cristianismo. O mundo ocidental comprou e pagou muito caro por um jogo de crenças e regras morais “daquele povo específico do deserto” que seriam os “únicos escolhidos”, desconsiderando uma porção de “coisinhas pequenas”, tais como a história dos povos locais, as ancestralidades, paisagens, climas, faunas e floras. O resto da história nós sabemos: naquele mundo encantado da bíblia, onde não se pode bater o prego no que é literal ou interpretativo e onde é normal vender a filha em troca de camelos ou prestar atenção no prazer alheio, vende-se a ideia do Messias que irá redimir a Humanidade e condenará ao mármore do inferno quem estiver abaixo das medidas de sua régua divina. Porém tal moral hipócrita e elástica foi e ainda é responsável por milhares de crimes contra a Humanidade e a Natureza ao fornecer abundantes ferramentas de opressão e controle.


É importante notar aqui que existe um apego à forma de livro, liturgia e despachantes entre o ser humano e o divino.


E lógico que depois de pincelar muito brevemente o que para mim é bruxaria no podcast, chegaram algumas perguntas, e então eu arriscar aqui alguns comentários.


Bruxaria, da forma em que concebo possível, é algo que respeita aquelas “coisinhas pequenas” descartadas pelo cristianismo. Retornando estes elementos ao papo: “a história dos povos locais, as ancestralidades, paisagens, climas, faunas e floras”. Estes são os elementos que fazem com que “bruxaria” seja mais ligada a ofício do que propriamente uma religião. Que este ofício possa se conectar com uma determinada forma de espiritualidade, é uma forte possibilidade, mas a ideia de sacerdócio não se sustenta em tudo. Sempre vai depender de todos os elementos que listei. Em alguns lugares, a bruxa nasce e porque ela possui poderes que podem ferir a ela mesma e aos outros, ela recebe iniciação desde muito cedo para alguma “deidade tutelar”, ou seja, ela passa a ser treinada e educada dentro de uma determinada tradição. Em outros lugares, o poder é “desperto no sangue” através da passagem de um objeto que carrega propriedades mágicas (geralmente algo insuspeito), da matriarca à neta. Em ainda outro lugar, o poder é desperto através do encontro entre um espírito e um viajante. Existem variadas formas de “despertar” da mesma forma em que existem variadas conexões espirituais que estão sob o termo “bruxaria”.


Existem “tradições” que foram chamadas de “bruxaria” porque tratavam de curar algum mal específico fora do controle da Igreja ou do despachante divino (a saber, o padre), sobre como curar doenças de pele, ou matar com encantamento as bicheiras que afligiam o gado ou ainda encantar serpentes. Isso significa que “bruxaria” pode ser sobre algo muito pequeno, muito específico ou ainda, muito local. Eu sempre gostei de usar a benzedeira brasileira como um belíssimo exemplo de bruxaria moderna. Isso porque estas figuras existiam já muito antes do cristianismo e em várias partes do mundo. A que cuidava do meu filho era iniciada do Candomblé, mas não via nenhum problema em rezar um Pai-Nosso. Ela sabia que em algum ponto da história uma de suas avós viu mais utilidade em não nadar contra a maré obtendo o mesmo resultado para a mesma necessidade: cura e alento.


Se estas “tradições” aceitaram ou não o rótulo que lhes foi imposto, “bruxaria”, pouco importa. Tenho certeza que entrar neste embate seria considerado contra produtivo por várias razões. Por outro lado, apontar para um determinado sistema e validá-lo como único é como apontar para uma árvore e chamá-la de floresta. É uma visão urbana e civilizada numa perpetuação colonialista tanto quanto as pragas religiosas que continuam nos limitando e matando.


Eu sei que essa não é uma boa estratégia para se “vender” este produto chamado “bruxaria”. Afinal, ninguém ganha nada quando a gente fala “vai aprender observando a Natureza”. Ou “A Natureza é a mestra da bruxa”. Não tem nada para consumo rápido ou indolor. E pelo contrário, se o trabalho é comunitário, é um com bem menos pompa e muito mais auto sacrifício. É muito sobre “trabalhar a terra” e menos “falar sobre a Terra”.


Enfim, para responder a pergunta que estão me fazendo desde que o podcast foi ao ar, sobre “o que define uma bruxa?” eu só tenho a dizer: um inabalável senso de responsabilidade sobre a força que se exerce no mundo.

Crédito as imagens: sciencesource / folklorethursday

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